quarta-feira, 11 de maio de 2011

O dia que minha alma emudeceu - parte 5

Ao ouvir a promessa do médico de que meu filho não morreria, só pude abraçá-lo e deixar vazar todas as lágrimas de alívio que eu poderia ter. O médico retribuiu meu abraço e aguardou pacientemente que eu parasse de soluçar. Falou-me que teria de fazer um procedimento de risco chamado broncoscopia com lavagem brônquica. O risco seria o fato de ter de molhar os brônquios para soltar as secreções que estariam colados neles. Poderia dar febre ou haver qualquer outra complicação, mas, se tudo desse certo, ele ficaria com o pulmão mais limpo e sua saturação aumentaria o suficiente para ele sair da linha limítrofe inferior.
Eu tinha a sensação de estar anestesiada. Sentia uma tranquilidade tão grande que nem as complicações provenientes da broncoscopia me afetaram. Aceitei todos os riscos, mas intimamente eu acreditava que nada faria mal ao meu filho e que tudo daria certo para ele.
Quando o médico se retirou, fui até a ante-sala ligar para meus pais só para dizer-lhes que o médico havia garantido que o Lucas não morreria. Meus pais choravam do outro lado da linha num misto de alegria e alívio. Minha mãe só dizia: "Viu filha? Eu disse que Santo Antonio olharia por ele! Graças a Deus!". Lógico que omiti os riscos da broncoscopia, mesmo porque, esses riscos não encontraram ecos em meu coração.
Voltei ao leito de meu filho e o beijei várias vezes dizendo: "Tá vendo filho? Logo, logo você voltará pra nós!". Com a alma tranquila, me dei o direito de comer alguma coisa e fui até a lanchonete do hospital fazer um lanche. Ao retornar ao leito, vi um folheto do hemocentro que necessitava de doadores de sangue. Pensei: "Por que não doar meu sangue já que recebi uma graça tão grande? Vou até lá!".
Nessas horas a gente descobre que Deus opera das maneiras mais estranhas, porém eficientes que existem. Aprontei-me para sair e ir doar sangue no hemocentro naquela mesma rua. Ao sair na ante-sala da UTI, uma senhora que sempre via por ali, mas que nunca havia conversado, puxou conversa comigo. Perguntou do "moço bonito" que estava no leito 6, se era meu filho, quantos anos tinha e ficou admiriada de saber que ele tinha 15 anos pois parecia ter uns 20.
Sentei-me a seu lado e perguntei porque estava la. Ela olhava a sobrinha de 19 anos que tinha um tumor cerebral. Havia operado mas estava em coma já fazia 3 meses. TRÊS MESES! Como a mãe daquela menina conseguia suportar essa dor? Meu filho estava há quase 10 dias e eu já estava enlouquecendo! Perguntei como elas conseguiam sobreviver com essa dor? A resposta foi muito simples: "AMOR! O amor nos dá tanta força que mal percebemos o quanto ficamos fracas!"
Disse que sua sobrinha parecia estar voltando do coma, mas que ainda era um caminho muito longo. Às vezes parecia responder a elas e às vezes não. Tinha horas que acompanhava com os olhos os movimentos, mas outras vezes não conseguia. Respondia com a cabeça algumas perguntas, mas outras ficava imóvel. Era uma luta diária. Hora a hora!
Contei rapidamente sobre meu filho me dando conta que existiam casos bem piores do que o dele. Falei-lhe que havia recebido o folheto do Hemocentro e que estava indo para doar sangue. Ela, então, me perguntou se meu filho também necessitava de sange, mas eu respondi que não. Foi quando ela me perguntou se eu iria doar sangue para alguem em especial e lhe disse que não, que só iria doar sangue para o banco de sangue. Ela me pediu então que doasse para sua sobrinha que precisava de doadores. Claro que concordei e fui ao hemocentro na certeza de que Deus havia preparado para que eu encontrasse essa senhora naquela hora e naquele momento.
A partir daí comecei a prestar mais atenção nos casos que faziam parte daquela UTI. Havia um moço, 23 anos que estava em coma há 2 anos e meio. Erro médico foi o que a mãe dele me disse. Não detalhou o assunto, mas tudo aconteceu por causa de uma anestesia mal dada. Um bebê que 6 meses. Uma criança de 1 ano e 8 meses. Nossa!
Haviam tantos casos cruéis lá dentro! Tantas histórias tristes de mães, pais, filhos, netos que doía o coração só de se pensar em passar por aquilo. Diante de tanto sofrimento alheio, nosso próprio sofrimento se torna, no mínimo suportável!
E foi assim que passei os demais dias de UTI, compartilhando lições de perseverança, amor, abnegação e força! No dia da broncoscopia meu filho foi levado logo cedo e aproveitei o dia para dar uma volta no hospital. Fui até a capela onde agradeci de coração por tantas bençãos. Depois fui até a farmácia comprar medicamentos para as dores nos pulsos e nos ombros que estavam insuportáveis. Parei na padaria e comi um baurú de outro mundo! Tomei um sorvete e liguei para várias pessoas que sempre queriam notícias de meu filho. Fui ao berçário ver os bebês novinhos que nasceram e pensei nessas vidinhas que começavam. Hoje eles devem ter por volta de 5 anos! Também aproveitei para conversar com o Tiago e compartilhar com ele as boas novas de seu irmão. Estava muito bem. Lógico que estava preocupada com o procedimento médico, mas nada que me alterasse a ponto de perder o controle sobre os acontecimentos. Estava muito mais serena e confiante.
E, como era de se esperar, meu filho voltou da broncoscopia com a saturação mais alta. Já não fazia aquele chiado no peito quando respirava, mas a febre se mantinha firme. O médico disse que provavelmente a febre cederia em um ou dois dias.
Minha mãe já não o visitava mais. Disse que era muito difícil vê-lo naquele estado de forma que eu sempre ligava para dar as notícias de seu estado. Meu pai, como sempre, lembrou-me da escola do Lucas e que eu deveria dar uma satisfação sobre a ausência de meu filho às aulas. Meu pai, apesar de toda a dor, sempre foi muito correto em tudo e sempre me fazia enxergar o lado racional de tudo. Assim sendo, no dia seguinte, peguei o metrô e o ônibus novamente para ir até a escola esclarecer a situação do Lucas.
Todos na escola ficaram entristecidos com a notícia, mas a diretora afirmou que ele não teria problemas em recuperar a matéria e que ela falaria com os professores que provavelemente dariam trabalhos para que o Lucas não perdesse notas.
Aproveitei para passar em casa e ver pela última vez os meus gatinhos (isso ainda me emociona muito)! Me despedi de todos e arrumei a cama do Lucas finalmente depois de tantos dias. Dei um jeito nas coisas e rumei ao hospital novamente.
Quando entrei no leito senti um clima agradável! Pude até sentir um perfume no ar! Via sua saturação que já estava berando os 90% e isso me alegrou bastante. A febre, no entanto, persistia. Minutos depois entrou o médico dizendo que meu filho estava reagindo muito bem e que eu não me preocupasse com a febre. Afirmou ainda que se tudo continuasse assim, no dia seguinte começariam a acorda-lo.
Eu fiquei eufórica! Eufórica mesmo! Saí para a ante sala e fiquei andando de um lado para o outro com um sorriso de orelha a orelha. Quem estava lá provavelmente não entendeu absolutamente nada, pois ali não era um local feliz propriamente dito, concordam? Já havia feito amigos e pude compartilhar com eles a minha alegria que vinha sempre acompanhada de lágrimas.
Novamente liguei para meus pais dando as boas novas o que os encheu de felicidade! Comecei a ficar ansiosa para que o dia seguinte chegasse e pudesse ver os olhos de meu filho que já não via a dias! No dia seguinte, logo pela manhã o médico entrou. Examinou ele e disse que começariam a aplicar a medicação para que ele voltasse do coma. Eu não saí do lado dele nem por um milésimo de segundo. Acompanhei todo o procedimento e fiquei atenta para algum sinal de que meu filho estava voltando a consciência.
Amarraram suas mãos pois ele podia querer puxar o tubo de oxigenação, a sonda nasográstrica e até mesmo o cateter do pescoço. Vê-lo com as mãos amarradas me incomodou um pouco, é lógico, mas sabia que era para seu bem e que toda a equipe de médicos e de enfermeiros estavam fazendo de tudo para que ele ficasse bem.
Logo de início não percebi nada, mas alguns minutos depois percebi que ele começava a mexer a cabeça e os dedos das mãos! Claro que chorei! Alguns minutos a mais e ele começava a dar sinais de que entendia o que os enfermeiros perguntavam fazendo micro sinais afirmativos e negativos com a cabeça! Fiquei ali plantada ao seu lado vendo cada progresso que havia em seu despertar até ver que seus olhos começavam a abrir lentamente. Tentei segurar a todo o custo minhas lágrimas pois não queria que ele me visse chorando. A garganta doía muito pelo esforço, mas consegui. Ele acordou! Disse-lhe para ficar tranquilo que estava tudo bem!
Também pedi que não tentasse movimentar as mãos, pois elas estavam imobilizadas para evitar que ele tirasse alguma coisa do lugar. Ele me olhava e fazia sinais afirmativos com a cabeça. Pedi também que não falasse, pois estava intubado. Dizia que ele já estava bem e que sua respiração havia normalizado, afinal, na cabecinha dele, só havia passado uma noite, ou seja, ele havia dormido e acordado, só isso! Nem imaginava que já haviam se passado 10 dias de coma. Ele ficou tranquilo. Estava grogue, mas entendia bem o que falávamos para ele.
O médico me disse que assim que ele estivesse totalmente desperto que seria extubado, ou seja, retirariam o tubo dele, mas que só poderiam fazer isso com ele acordado. Não tenho palavras para traduzir a minha alegria. Já podia ver os olhos de meu filho e em breve eu também ouviria sua voz! Fantástico!
Fui conversando com, o Lucas que foi despertando cada vez mais. Contava para ele de sua saturação, de como estava melhor de quando deu entrada no hospital, falava da seleção brasileira da copa, da felicidade que sentia em ver que ele estava bem, ou seja, fiquei falando com ele o tempo todo para que despertasse o mais rápido possível.
Mais ou menos umas três horas depois de acordar, a equipe entrou no leito para extuba-lo. Saí e pedido deles e fiquei na ante-sala tomando café e tagarelando com os amigos que havia feito por lá! Todos compartilhavam a minha alegria. Quando se está numa UTI, vive-se sobre um véu de sombra espessa. Mas quando surge alguma luzinha, ela realmente ilumina todo o ambiente. É como uma necessidade! Hoje percebo que as alegrias compartilhadas na UTI, não só as minhas, mas as dos demais pacientes que aconteciam, eram extremamente comemoradas com sinceridade! Uma união absurda que se faz dentro daquela unidade.
Entrei no leito e vi meu filho sem o tubo, mas mantinha a sonda nasogástrica e o cateter no percoço. Estava ansiosíssima para ouvir sua voz. Óbvio que sua voz estava absurdamente fraca. Ele apenas sussurava. Quase não se ouviam suas palavras. Mesmo assim, fiz uma estripulia.
Queria muito que meu filho falasse com meus pais e liguei de meu celular para eles. Quando atenderam eu pedi um minuto e passei para o Lucas. Ele sussurou: "Oi vó!"..... depois falou "to bem sim.", percebi que o Lucas começou a se emocionar então tirei o telefone dele e falei com minha mãe. Ela chorava de alegria! Meu pai também. Falei com eles que a voz do neto estava fraca, pois tinham acabado de tirar o tubo, mas que ele estava bem! Na mesma tarde tiraram a sondanasogástrica. Então tudo começou a melhorar!..... e muito!

2 comentários:

chica disse...

Que maravilha esse presente que a vida deu ,não? Coisa boa ,após tanto susto e dor, essa boa notícia!


beijos,chica

eva mooer disse...

Miriam...gostei muito do seu post...fico feliz com seu final(quase) por toda sua familia que sofreu muito....que as bençãos continuem abundando na vida de vcs...gostei tambem da sua lista....do que quer e do que já conseguiu...rsrsrs muito legal...abraços para vc