sábado, 7 de maio de 2011

O dia que minha alma emudeceu - Parte 2

Entrei na UTI e fui direto ao leito onde se encontrava meu filho. Estava cheio de fios ligados nele e os sons dos batimentos cardíacos indicavam que seu coração estava acelerado. Ele ofegante olhou para mim e sorriu. Aproximei-me dele e segurei sua mão. Meu pai estava junto e também segurou a mão do neto sorrindo sem muitas palavras, pois estava prestes a chorar.

Logo entrou um médico que prescreveu uma máscara que forçava o ar para dentro do pulmão do meu filho e ele ficou com essa máscara a noite inteira.

Meu pai ficou pouco tempo e logo se despediu com os olhos marejados. Deu-me um forte abraço e seguiu para casa onde eu deveria estar comemorando o aniversário de mamãe, mas que agora já não tinha mais nenhuma festa.

Dentro da UTI descobri que o nível de saturação de oxigênio do Lucas estava muito baixo. Girava em torno de 85%. Abaixo disso corria-se risco de insuficiência respiratória e o aparelho sempre apitava quando a saturação diminuia.

A noite inteira fiquei ao lado dele que tentava respirar inutilmente. A mascara só o deixava mais nervoso, mas continuava valente e tentava me passar uma calma jamais sentida! Não dormiu durante a noite. Teve apenas breves cochilos que eram interrompidos pela oxigenação fraca e quase nula de seus pulmões. Não vi o dia amanhecer e só fui perceber isso quando houve a troca da equipe. Percebi também que meu filho começava a ficar com os lábios escuros e as pontas dos dedos roxeadas. A saturação começou a gritar, pois estava em 79% e o médico entrou na sala para examiná-lo pedindo que eu saísse. Fiquei no corredor com o coração despedaçado imaginando o que ele me diria quando terminasse de examinar meu filho.

Quando saiu, o médico se aproximou e disse que meu filho estava tendo uma insuficiência respiratória e que ele seria entubado.

Minhas pernas falsearam e o médico me segurou. Lembro de ter visto o rosto do meu filho segundos antes de desfalecer. Não lembro muito bem como, mas sei que estava na enfermaria sentada com um copo de água nas mãos. A enfermeira, muito gentil, tentava a todo custo me tranquilizar dizendo que meu filho não sentiria nada e que a entubação era feita com ele sedado e que seria melhor para ele e que eu tivesse fé e mais uma série de outras palavras que não faziam nenhum sentido para mim naquele momento.

Quis vê-lo, mas não permitiram uma vez que estavam preparando-o pois ele tinha sido induzido ao coma! Lágrimas e mais lágrimas desciam livremente pela minha face. Chegavam a arder de tão quentes e doídas que elas ficaram! Fui até a ante sala da UTI onde ficavam os parentes que iriam visitar seus familiares, mas não via ninguém, apesar da sala cheia. Fui até o vitrô e olhei para a rua. Já havia amanhecido e eu nem tinha dado conta. Fiquei ali inerte pensando em como dizer para meus pais que seu neto estava em coma e entubado. Fiquei pensando em como dizer isso ao meu filho Tiago que estava na casa de minha mãe acreditando que o Lucas só estava tendo uma crise de bronquite qualquer e que em breve estaria em casa. Como dizer para mim mesma que insistia em não acreditar que aquilo tudo fosse real quando eu rezava para que fosse apenas um dos piores pesadelos de minha vida! As lágrimas desciam soltas. Chegavam a queimar meu rosto. Eram quase 7 horas e eu pedia para que o tempo parasse até eu conseguir colocar as idéias em ordem. Lá fora as pessoas caminhavam apressadas totalmente alheias ao meu sofrimento. Pensei por um momento que gostaria de ser uma daquelas pessoas.

Não sei quanto tempo fiquei ali parada olhando o nada pelo virtô do hospital. Então alguém tocou em meu ombro e me ofereceu um café. Não sei quem ela era, mas ela havia visto algo que a maioria das pessoas não enxergam. Ela havia visto a minha dor. Só me ofereceu um café. Não perguntou nada, não especulou nada e não me obrigou a falar nada. Sentei-me ao seu lado e tomei aquele café que de alguma forma revigorou um pouco minhas energias já tão escassas.

Agradeci a ela que voltou-me um sorriso e foi-se embora. Nunca mais a vi. Chego a pensar se não foi um anjo que Deus colocou em meu caminho para me fazer acordar daquela inércia em que me encontrava.

Chamaram na UTI informando que já podia ver meu filho. Respirei fundo e cobrei de mim mesma a força necessária para seguir em frente. Entrei no leito e o vi. Ele já não sorria mais pra mim. De sua boca saia um tubo que o ajudava a respirar. De seu nariz, saía outro tubo. Seus olhos estavam meio abertos mas não me viam. Ele estava totalmente inconsciente. Havia um cateter em seu pescoço. Ele não me via, não me ouvia, não se mexia. Ele estava em coma! Quando eu pensava que já não haveria mais lágrimas que pudessem rolar de meus olhos, elas surgiam mais abundantes ainda! Molhei o lençol que cobria meu filho de tanto chorar!

Voltei para a ante-sala de onde liguei para meus pais avisando do coma e da entubação. Só pude ouvir os soluços do outro lado da linha. Não haviam palavras que expressassem a dor que eles viviam naquele instante. Pensei o quanto era injusto fazer meus pais passarem por tanto sofrimento. Minha mãe só dizia: "Ele vai melhorar filha! Santo Antonio vai por a mão sobre ele!". Sua fé em Santo Antonio sempre me emocionou e por um instante eu gostaria de ter essa fé inabalável como ela. Mas descobri que a Fé a gente aprende a ter, e eu aprendi. Eles quiseram ir para o hospital, mas lhes pedi que não fizessem isso, pois não tinha mais nada que pudéssemos fazer a não ser rezar por ele.

Eu estava robotizada. Andava de um lado para o outro do leito. Sentava, levantava, andava, sentava e assim sucessivamente rezando sem parar até anoitecer. Era dia 15/06/2006. Feriado de Corpus Christi. Lembrei que no dia seguinte eu deveria ir trabalhar. Passei um torpedo para a Cristiane, minha amiga que trabalhava comigo, avisando da situação. Não conseguiria falar, por isso optei pelo torpedo. Mas logo em seguida ela me ligou perguntando o que havia acontecido e narrei a ela em meio a soluços. Perguntou-me se podia fazer alguma coisa pra ajudar eu eu lhe pedi apenas que rezasse e que pedisse a todos na Prefeitura que rezassem também por meu filho.

Minutos depois chegaram meus pais e minha irmã. Se apiedaram de meu estado. Não havia comido nada a não se tomado café o dia inteiro, mas não tinha fome.

Estava despenteada, desarrumada, sem maquigem e não havia tomado banho. Eu parecia um zumbi.

Fiquei na ante-sala enquanto eles visitaram meu filho. Seria sofrimento demais ve-los verem meu filho entubado. Voltaram de lá massacrados pelo sofrimento. Insistiram para que eu voltasse para casa com eles para poder descansar um pouco. Eu não queria ir. Tinha medo de ir embora e não ver mais meu filho vivo, mas não disse isso a eles. A enfermeira disse que eu deveria ir embora e descansar para quando meu filho acordasse eu estivesse bem. Foi o único argumento que me fez ceder e foi assim que deixei meu filho pela única e ultima vez naquela UTI sozinho.

Saí de lá amparada pelo meu cunhado e pela minha irmã. Só fazia o que me mandavam: "Senta, Levanta, Descansa, come" era apenas um robozinho sem vontade, sem expressão. Conforme o carro se afastava do hospital eu ia me sentindo mais fraca.

Cheguei em casa de mamãe e pediram uma pizza. Meu cunhado cortou meu pedaço, pois eu tremia demais para faze-lo. Logo em seguida me levaram para a cama e dormi a base de calmantes.

Por volta de umas 07h00 acordei pulando da cama para ligar no hospital e ter notícias de meu filho. Atendeu na UTI um rapaz eu lhe disse: "Por favor! Sou a mãe do Lucas. Queria saber como ele está?". Ele respondeu: "O estado dele é muito grave!"

Foi assim que voltei ao hospital com a certeza de nunca mais deixá-lo dormir sozinho uma noite que fosse a mais.

Continua.

4 comentários:

Paula Li disse...

Oi Mirian, nunca sei o que dizer nestas horas, mas estou acompanhado a história.
Desde já um feliz Dia das Mães.
Bjs

chica disse...

Que agonia isso.Credo!Que dor e sofrimento passaste...beijos,chica

Maria José Rezende de Lacerda disse...

Nem sei o que te dizer. Perdi uma filha, minha única filha há 4 anos atrás. Ela dormiu e acordou do outro lado da vida. Mas não gostaria de falar disso agora. Outra hora te conto com mais detalhes. Seus posts são lindos. Seu blog é encantador. Vim retribuir sua visita ao Arca e lhe fazer um pedido. O ArcadoAutoConhecimento foi indicado para concorrer ao SELO BLOG DA SEMANA, em votação que se iniciou no dia 05/05 e ficará aberta até o dia 11/05/2011 no BLOG DO SUPER WILL. Se você quiser me presentear com seu voto, deve acessar o blog do Super Will, no endereço http://wwwwillblog.blogspot.com/. O Will é o idealizador do selo, tendo por objetivo homenagear e promover a confraternização blogueira através da troca de links, divulgação e experiências. Desde já, agradeço a gentileza e amizade.

Unknown disse...

Nossa, que agonia.
A forma que vc relata faz a gente viver a cena. Muito bem escrito.

Beijos