domingo, 8 de maio de 2011

O dia que minha alma emudeceu - Parte 3

O caminho de carro até o hospital foi um dos mais difíceis já percorridos em toda a minha vida! Tinha pavor do que iria encontrar quando entrasse no leito da UTI. Meus pais foram em silêncio comigo e o trânsito me matava! Rezava desesperadamente pedindo a Deus que ficasse com ele até eu chegar e intimamente pedia perdão ao meu filho por tê-lo deixado sozinho naquela UTI fria e desumana! Demoramos uns 45 minutos para chegar lá e entrei feito um furacão pela UTI para ver meu filho.
Ele estava mais sedado, totalmente inerte! Disseram que ele era muito forte e resistia bravamente à sedação, então tiveram que aumentá-la para que fizesse mais efeito. Abracei-o e beijei seu rosto várias vezes pedindo que me perdoasse por deixá-lo sozinho e que jamais eu faria isso de novo. Fiquei ali ao seu lado enquanto meus pais o visitavam. Primeiro a minha mãe. Ela entrou, segurou sua mão e alisou seu cabelo. Dizia pra ele que Santo Antonio Estava tomando conta dele. Disse pra mim que ele parecia mais tranqüilo e eu falei-lhe sobre a sedação. Ela ficoumais tranqüila também. Em seguida entrou meu pai. Ele não falava nada. Só acariciava os cabelos do neto e me olhava como que pedindo para dizer-lhe que tudo ficaria bem. E eu lhe disse. "Olha pai! Ele está bem! Tá tranquilo. Vai dar tudo certo, viu?" ... Ele me olhava com seus olhinhos azuis brilhantes e cheios de lágrimas e só assentia com a cabeça. Foi assim que ele saiu da UTI. Em seguida voltaram para casa destruídos por ver seu neto naquele estado.
Naquele dia meu celular praticamente não parou de tocar. Todos da Prefeitura me ligavam para saber de meu filho. Até os assessores do Prefeito recém empossado no lugar do ex-Prefeito Serra ligavam-me se colocando a disposição para ajudar. Só lhes pedi que autorizassem minhas férias a partir daquele dia para que pudesse ficar com meu filho.
A Mamá foi uma das pessoas que me ligou e foi com ela que extravasei meu sofrimento. Eu chorava feito criança e ela chorava comigo do outro lado da linha. Ambas unidas em uma só lágrima. Pedia incessantemente que rezasse por meu filho e ela dizia-me que colocaria seu nome do livro de orações do centro que freqüentava. Agradeci aos prantos e consegui me sentir um pouco melhor com todo o carinho dela.
Passei o dia respondendo chamadas de celulares e acariciando o rosto de meu filho totalmente insconsciente. Sentia-me impotente diante de toda aquela situação e algo dentro de mim clamava por uma luz ou por algo que me fizesse sentir um pouco mais útil ali dentro daquele leito só vendo enfermeiros atenciosos e prestativos entrarem e sairem com agulhas, gases, pranchetas e exames.
O dia demorou um século para passar. À noite meus pais voltaram para ver o neto e minha mãe disse que meu pai não queria mais entrar. Era muito para ele ver seu neto naquele estado. Compreendi perfeitamente e não insisti. Tentava passar para eles notícias boas. Chegava a inventá-las para que não ficassem tão deprimidos, mas eu via que não conseguia convencer ninguém de uma melhora muito longe de ser atingida.
Em determinado momento meu pai chegou perto de mim e tive a sensação de que ele me falaria algo que eu não queria ouvir, pois seus olhos me diziam que ele também não queria ter de falar aquilo, mas a razão deve assumir o controle de nossas vidas de vez em quando, sendo assim, me disse se não seria o caso de avisar o pai dele sobre seu estado de saúde. Eu me separei de meu ex-marido em 1999 e ele nunca foi uma figura muito presente em nossas vidas.
Optei por deixar pra lá, afinal discutir com ele não me faria mais feliz e nem faria feliz aos nossos filhos.

Assenti com a cabeça e vi as lágrimas ressurgirem em meu rosto. Pensei da necessidade do pai estar presente naquele instante e não pude evitar imaginar que poderia ser uma da últimas vezes que o pai dele o veria com vida. Pensei também no Tiago que estava alheio a tudo isso e que não podia deixá-lo assim. Ele teria de ser preparado para o pior. Não tinha com quem conversar sobre isso o que me deixava muito isolada emocionalmente.

Tomei fôlego e liguei para o pai dele, meu ex-marido, que ficou desnorteado. Ele sempre foi muito ausente e acho que a culpa o aniquilou naquele instante. Disse que iria ver nosso filho no dia seguinte mesmo porque já eram mais de 21h da noite e não poderia ir para lá naquela hora. Voltei para o leito junto a meu filho.

Só podia entrar uma pessoa, fora o acompanhante, portanto várias vezes eu tive de sair para que as pessoas pudessem visitar o Lucas.

Pensei em Deus. Ele estava ali, com certeza. Mas eu me sentia muito falha com Ele. Algo me dizia que eu precisava fazer algo mais além de chorar e rezar por força e cura!

Meus pais foram embora e me vi novamente sozinha com meu filho. Senti uma necessidade enorme de escrever, mas não tinha nem lápis, nem caneta e muito menos papel. Liguei para meus pais que já estavam em casa e pedi que me trouxessem meu diário, meu terço bizantino, minha bíblia, meu "Evangelho Segundo o Espiritismo", o livro "O Poder Infinito da Oração" do Padre Lauro Trevisan e umas canetas.

Eu precisava escrever! Eu precisava colocar pra fora toda aquela aflição! Minha mãe me ensinava as orações e eu as repetia ininterruptamente: "Lucas é filho de Deus prefeito curado pela graça e misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo! Obrigada, obrigada, obrigada", "Jesus, Cura meu filho Lucas", "Obrigada Jesus pela Cura de meu filho Lucas", "Jesus, obrigada por fortalecer meu filho Lucas", "Jesus, eu creio, mas aumentai a minha fé". E assim sucessivamente eu mentalizava essas palavras ao lado de meu filho.

Continuava a pensar no Tiago e no quanto eu estava deixando-o de lado diante de tudo que estava acontecendo. Senti-me horrível, pois estava renegando-o a segundo plano e não era justo para com ele. O que poderia estar passando em sua cabecinha? Ele tinha apenas 14 anos. Tinha acabado de completar 14 anos, era um menino que de repente se viu sozinho sem a mãe e sem o irmão e sem nenhuma notícia de nenhum dos dois. Um peso a mais baixou em meu coração e novamente me vi rezando e pedindo que Deus me iluminasse e me dissesse o que eu deveria fazer. Naquela noite comecei a sentir dores no ombro. Mal podia mexer o ombro e acreditei que fosse pela má posição no sofá em que dormia (ou tentava dormir) durante a noite. Semanas depois descobri que eram os primeiros sinais da Artrite Reumatóide que me segue até hoje! Psicossomaticamente a artrite é auto-punição. Uma necessidade de se punir por uma culpa incontrolável que toma conta de nossa psiquê. Óbvio que eu me sentia culpada. Óbvio que eu me incriminava por todas as mazelas de meu filho que estava em coma e pelo outro que estava alheio a tudo e "deixado a Deus dará". O peso da culpa me oprimia de tal forma que a dor do ombro de certa forma fazia com que eu me sentisse um pouco melhor. Era o castigo merecido que chegava ao meu inconsciente denegrido. Mais uma noite ao lado do corpo de meu filho tão debilitado. Ele emagrecia a olhos vistos. Era só alimentado pela sondanasográstica que enviava um liquido com nutrientes suficientes para mantê-lo vivo. Às vezes eu me beliscava para ver se aquilo não era apenas um pesadelo! E foi pensando no Tiago que terminei minha noite no 3º dia de meu filho na UTI.

Amanheceu e percebi que ainda estava ao lado de meu filho, como se fosse possível estar longe dele.

Estava ansiosa pelas canetas e pelo diário. Escrever se tornou vital para minha saúde mental. Quando eles chegaram peguei a Bíblia e a abri aleatóriamente e li o que minha vista encontrou: Corintios 2 12:10 "Porque quando estou fraco, então sou forte." Aquele versículo acertou minha alma em cheio! Comecei a conseguir enxergar alguma luz, muito tênue mas era uma luz, no final do túnel.Foram páginas, páginas e mais páginas escritas direto para Jesus! Eu devorava as orações dos livros, da Bíblia e do Evangelho Segundo o Espiritismo.

E escrevia as orações como se estivesse escrevendo uma carta para Jesus. Passava horas e mais horas escrevendo orações, salmos, pedidos, versículos e tudo o mais que me fizesse estar mais perto de Deus. E foi assim que aprendi a ter fé em Deus, pois foi nessa época que Ele me respondeu da forma mais linda que Deus poderia responder.

Continua...

3 comentários:

chica disse...

Que história essa...De muita garra e fé! beijos,chica

Anônimo disse...

Fez bem registrar tudo isso. Alivia o coração.
Saiba que quando escreveu tudo, os Bons Espíritos e Jesus ouviram as tuas preces!!
bjks

Ceci Lísbôa

chica disse...

Ué! Voltei aqui e vi que meu comentário sumiu.

Já estive nesse post, mas a internet tá louca mesmo...

Vamos de novo; Essas demosntarções nos fazem ficar fortes.
Imaginoa barra que foi passar por tudo isso.CREDO!

Qualquer coisa que implica filhos e pessoas próximas nos abala,não?


Vou acompanhando...beijos,tudo de bom,chica