domingo, 29 de março de 2009

Uma flor para outra flor!

Outro dia eu li um livro que ensinava-nos a contemplar as coisas boas. Dificilmente nós nos damos um tempo para essa contemplação. Vivemos sempre cheios de compromissos, contas para pagar, médicos, trabalho, afazeres domésticos que quando nos damos conta já é noite e nos jogamos na cama com o único intuito de dormir para acordar descansados na manhã seguinte para outra jornada maluca. Só que numa dessas noites eu me deitei com as palavras do livro na minha cabeça sobre contemplar o belo. Tentei silenciar minha mente para ouvir os sons dos cães, do vento, das folhas das árvores, de seus galhos e isso tudo no meio dos sons de carros, ônibus e motos que passavam o tempo todo na avenida onde moro. Foi difícil mas consegui discernir os sons da natureza dos sons produzidos pelo homem. E foi no meio dessa contemplação que me veio na mente o rosto angelical de uma doce menina com profundos e maravilhosos olhos azuis que eu cruzei no metro há uns 20 anos atrás.
Eu estava indo para algum lugar que não me lembro mais e embarquei na estação Santana do metrô. Sentei-me em um dos bancos que fica ao lado da porta do trem e logo à minha frente sentou uma menina de uns 6 ou 7 anos. Ela tinha uma pele que parecia pêssego de tão linda. Cabelos dourados e cacheados emolduravam seu rostinho angelical e caiam majestosos pelas costas até a cintura. Estava com um lindo vestido cor-de-rosa com uma fita azul presa na cintura formando um lindo laço nas costas. Tinha meias de renda brancas e calçava sapatinhos rosas. Seus olhos eram de um azul divino! Pareciam pintados pelas estrelas. Grande olhos azuis com enormes cílios que delineavam aquele olhar doce de um pequeno anjo.Logo que ela sentou-se, olhou-me direto nos olhos, fixamente. Fiquei constrangida a princípio e desviei o olhar mas, pelo canto do olho, eu reparava que ela me olhava insistentemente. Pensei que quisesse manter algum contato e voltei a olhar para aquela criança admirável! Comecei a tentar um contato amistoso e soltei uma risadinha timida, mas ela não esboçou nenhuma reação. Não desisti e continuei a fazer micagens para ver se ela sorria. Comecei fazendo caretas, sorrindo, mostrando a lingua, fazendo tchauzinho mas nada! Nada a fazia sorrir. Apenas me olhava seriamente simplesmente ignorando minhas tentativas de contato. Sua mãe ao lado dela estava completamente entretida lendo um livro sem nem sequer reparar nas minhas traquinagens junto com sua filha. Em determinado momento, já desistindo de conseguir arrancar um sorriso daquela pequena luz, peguei uma folha de papel e comecei a fazer dobraduras para formar uma florzinha. De vez em quando eu olhava para a criança que continuava a olhar-me fixamente. Quando terminei as dobraduras elas haviam formado uma pequena flor. Chegando próximo à estação que eu iria descer, levantei-me e estendi a mão com aquela florzinha para presentear a minha amiguinha. Neste instante, sua mãe me viu e disse para a filha: "Filha, tem uma moça bonita querendo te dar uma coisa", nesse instante a pequena estendeu seus bracinhos e alcançou minhas mãos pegando a florzinha. Sua mãe me olhou e disse "Ela só enxerga com as mãos!". Nesse instante, a pequena abriu o mais lindo sorriso que eu já havia visto em toda a minha vida e disse-me "obrigada!". Ela era cega e eu nem sequer havia percebido! Fiquei totalmente sem reação. Ao mesmo tempo que seu sorriso iluminou meu dia, sua cegueira paralisou meu coração. No entanto, ver ou não ver, não tinha a menor importância para aquela criança pois sua alegria ao receber a flor de papel foi tão legítima quanto se ela ganhasse o melhor presente do mundo. Tenho a nítida sensação de que ela deva ter essa florzinha até hoje guardada no meio de seus pertences como uma lembrança de uma moça sem rosto, mas com uma alma generosa pois era isso que aquela pequena enxergava. Ela conseguia ver o que nossos olhos não enxergam! Ela via os sentimentos, as boas intenções, as emoções, ela enxergava a gratidão de uma forma que nenhuma outra pessoa poderia enxergar. Essa foi uma das situações mais constrangedoras e magníficas que eu vivi nesses 45 anos de vida! Nossa cegueira é no coração enquanto que a cegueira dela, na verdade, nunca existiu! Beijos para minha pequena flor!

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