sexta-feira, 8 de abril de 2011

A Banca de Jornais

Hoje quando eu estava vindo trabalhar, vi de dentro do ônibus um casal de velhinhos e reconheci a velhinha, uma senhora magrinha de cabelos loiros e bem curtinhos segurando e apoiando seu marido que com a parte esquerda do corpo paralizada por um AVC caminhando bem lentamente pela avenida, voltando, talvez para sua casa.
Na época em que trabalhava no Hospital do Servidor Público Municipal, eu saía de casa sem o dia amanhecer e bem em frente ao ponto de ônibus onde eu pegava a lotação, havia uma banca de jornal bem pequena, muito simples mesmo, que era aberta por essa senhora que descrevi acima.
Todos os dias eu a via chegando a pé lá do início da avenida onde moro, carregando uma sacolinha e abrindo a banca.
Ela arrumava todas as revistas, coquetéis, jornais, passatempos. Subia em um banquinho e deixava algumas revistas penduradas em ganchos o que, de certa forma, enfeitava a humilde banca de jornal.
Depois começava a arrumar a banca por dentro, mas a banca era tão minúscula que rapidamente a velhinha ajeitava tudo.
Mais ou menos uma hora depois, descia o marido dela, esse senhor que descrevi acima também. Ele tinha o lado esquerdo paralizado, mas conseguia caminhar vagarosamente pela avenida até chegar na banca.
Quando ele chegava, a velhinha o ajeitava num banquinho, deixava as coisas de que precisava perto para que ele não precisasse se levantar e voltava para sua casa a pé sozinha pela avenida.
O velhinho sentava no banquinho e ali ficava só saindo à noite quando a esposa vinha buscá-lo.
Eu sou uma pessoa tímida. Não costumo puxar conversa com ninguem, mas, falou de velhinhos eu abro um sorriso do tamanho do mundo e esqueço da vida! Adoro conversar com idosos!
E em um desses dias em que eu ia trabalhar, vendo aquela velhinha ajeitando as revistas da banca, puxei assunto com ela que sorridente retribuiu a conversa com alegria!
Contou-me sua vida. Disse que seu marido era aposentado e que havia sofrido um AVC. Como ele ficava muito ocioso em casa, ela resolveu abrir a pequena banca de jornal para que ele pudesse fazer alguma coisa e se distrair, mas que, na verdade, isso só teria aumentado o trabalho dela, pois ela tinha que acordar cedo, preparar a banca, ajeitar as coisas para o esposo, acomodá-lo, e retornar para casa onde preparava o almoço e o lanche levando para seu marido por volta do meio dia. Depois voltava pra casa, ajeitava as coisas do lar, preparava a janta e ia até a banca buscá-lo para jantar. Isso quando não tinha que madrugar mais ainda para receber as revistas novas.
Achei bonito o cuidado dela com o marido e ela agradeceu dizendo que, apesar dele não merecer, ela fazia isso com a consciência limpa. Isso me espantou e então a história se revelou.
Ele sempre foi um machista arrogante. Bebia e fumava. Saía com muitas mulheres. Batia e judiava de sua esposa a qual o servia agora de coração limpo. Nunca permitiu que ela trabalhasse fora e não trazia dinheiro para eles viverem. Ela que costurava roupas às escondidas para criar sua filha. Não permitia que ela conversasse com vizinhas e nem saísse de casa. Tudo era motivo para que ele batesse nela ou a humilhasse. Uma vida de dor, solidão e medo.
Ela aguentou tudo calada, pois em seu coração havia uma certeza de que um dia as coisas melhorariam em sua vida.
As melhoras ocorreram quando seu marido sofreu um AVC. Disse-me que de início ela pensou em se vingar do marido deixando-o sofrer com todos os problemas de paralisia que a doença havia deixado, mas com o passar dos dias se apiedou dele. Disse-me que quando o viu jogado na cama sem conseguir falar ou mover-se ela percebeu que o castigo dele já chegara e que ela não precisaria fazer mais nada, pois ele já estava sofrendo muito.
Desde então ela o ajuda na fisioterapia, com exercícios, com a banca de jornal, o alimenta, o banha, o veste e tenta deixá-lo o mais confortável possível.
Um dia ele olhou para ela enquanto trocava suas fraldas e lhe pediu perdão. Ela me disse que foi a primeira vez que viu seu marido chorar na vida inteira. Meus olhos marejam só de lembrar dessa conversa. Ela respondeu para ele que quem perdoa é Deus e que achava que Ele já o tinha perdoado sim, para que sossegasse a alma e ficasse em paz.
Ela sabia que as pessoas a julgavam tola por estar cuidando daquele que foi seu algoz, mas seu coração lhe dizia para fazer isso. Ela dizia que queria partir com a sensação de dever cumprido.
Hoje quando os vi, percebi que ele está com muito mais dificuldade para andar do que na época que conversamos, mas ela continua ao seu lado segurando sua mão e o apoiando para caminhar.
A Banca de Jornal foi desativada faz tempo, mas ela ainda existe. Está fechada, vazia e sempre que passo por ela penso nesses anjos que Deus envia a Terra para tocar as almas de pessoas tão enduredidas como esse velhinho. Sua esposa é um anjo que o acompanhará até seu´último dia sobre este planeta e o céu fará festa quando chegar a hora dela retornar ao seu verdadeiro lar com a sensação que tanto busca de DEVER CUMPRIDO!

9 comentários:

Aparecida Miriam disse...

Nossa Mi, que lição, exemplo mesmo! Mas vc sabe que , apesar do fardo que carrega, tenho certeza de que não é algo sobre humano para ela, no coração dessa mulher essa é uma missão que ela cumpre resignada, sem remorso, sem raiva. Lindo! Bjs

Paula Li disse...

Oi Miriam, que história mais linda, lembrei muito da minha mãe. Acredito que não se faz mais hoje em dia este tipo de mulher.
Tenho uma vizinha que cuidou por mais de 20 anos com todo o carinho do marido inválido e que enquanto tinha saúde a traía publicamente.
Um beijo

Carla Farinazzi disse...

Oi Miriam!

É preciso muito desprendimento pra agir assim como esta senhora que você descreveu. Muito desprendimento mesmo. Capacidade de perdoar...
Acho isso admirável, o tipo da coisa que dignifica o ser humano. Que nos faz pensar que o ser humano, afinal, é capaz de superar tudo.

Parabéns pelo seu post.

Beijos

Carla

Anônimo disse...

Tbm me emocionei!
Bjos mia e boa noite

wcastanheira disse...

Amiga igual a vc creio em anjos protetores enviados por DEUS para estar ao nosso lado, sobre nós a nos envolver a cada momento do dia, belo texto, inteligente, bem focado, escreto com carinho e atenção a cada um de nós, pra vc minha linda bjos, bjos e bjosssssssssss

Lena disse...

Miriam, minha linda
Obrigada por estar me seguindo. Eu também vim aqui, vi, gostei e fiquei. Agora a gente fica uma seguindo a outra... rsrsrs...Amanhã volto com tempo pra ler os textos com mais calma. Seu blog está lindo!
Beijos com muito carinho e um ótima semana pra você!!!

José Sousa disse...

Oi amiga!
Que postagem tão emocionante! A gente quando lê coisas como estas, são mais um acrescimo na nossa mente par que possamos recordar coisas que também, identicamente, se passaram em nós! Parabéns mesmo!

Um beijão.

Rejane Cavalcanti disse...

Nossa...que historia..me emocionei, queria muito tê-la conhecido..é um exemplo de vida, fé e desprendimento, generosidade, amor..que Deus os ilumine. Beijos querida! Re

Anônimo disse...

Oi
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